HĂĄ pessoas que defendem e falam que as mulheres que não quisessem criar um filho decorrente de um estupro poderiam colocĂĄ-los para a adoção.
"É fĂĄcil falar, né? Pra entregar o filho pra adoção, como eu escutei ontem. 'Entrega o filho pra adoção'. Agora, eu queria saber se fosse filha de algum de vocĂȘs aĂ, que estão votando nesse projeto. Se fosse alguém da sua famĂlia.
"Porque, se ela, a mulher estuprada, vier a interromper essa gravidez depois de 22 semanas, que é o que estĂĄ nessa Lei, seja por demora na Justiça ou por qualquer outro empecilho que uma vĂtima de abuso enfrenta hoje em dia para ter acesso ao aborto. Inverte os papéis! A pena dela vai ser maior do que a dele. Ou seja, não faz o menor sentido."
"E, de novo, não é uma questão ideológica, é uma questão de lógica mesmo. Criança não é mãe. E é muito cruel obrigar uma vĂtima de estupro a levar a cabo uma gravidez. Queria me colocar aqui claramente ao lado dessas mulheres toda, que jĂĄ foram vĂtimas de estupro e que não devem ser vĂtimas de uma injustiça para piorar a situação".
Mas simplesmente não é lógico, e é principalmente cruel com as mulheres do nosso paĂs. Queria só registrar isso aqui que eu acho importante.
OAB considerou PL do aborto inconstitucional. A entidade mencionou o avanço histórico de manifestações populares e femininas na "perspectiva de gĂȘnero na aplicação dos princĂpios constitucionais" e disse ainda que isso foi "suplantado por uma linguagem punitiva, depreciativa, despida de qualquer empatia e humanidade, cruel e, indubitavelmente, inconstitucional".
Uma comissão de mulheres da OAB criada para analisar o projeto de lei 1904/2024, que equipara a pena de aborto após 22 semanas de gestação à de homicĂdio, definiu o texto da proposta como "grosseiro" e "desconexo da realidade".
O documento serĂĄ encaminhado ao Congresso, segundo a entidade. Cinco das sete mulheres que compõem a comissão assinam o texto.
Texto afirma que a proposta da Câmara denota o distanciamento dos propositores "das fissuras sociais do Brasil". "Além de simplesmente ignorar aspectos psicológicos; particularidades orgânicas, inclusive, acerca da fisiologia corporal da menor vĂtima de estupro; da saĂșde clĂnica da mulher que corre risco de vida em prosseguir com a gestação, e da saĂșde mental das mulheres que carregam no ventre um anencéfalo", diz o parecer.
A comissão avaliou o tema como "um dos mais sensĂveis à sociedade". "Suscita a pluralidade de opiniões, pensamentos e posições, muitas delas lastreadas em convicções morais, éticas, religiosas e/ou polĂticas", diz o parecer. "As discussões alcançadas pelas nuances que circundam o tema perpassam pelo campo da saĂșde pĂșblica, do direito e até mesmo da cultura."
Projeto ignora dados da Pesquisa Nacional do Aborto e Desigualdades Sociais 2023 e estudos da Fiocruz, diz OAB.
As pesquisas citadas apontam que mulheres pretas se hospitalizam mais por aborto do que as de cor branca, "sendo o pĂșblico com maior frequĂȘncia de gestantes adolescentes". A entidade afirma que a criminalização do aborto após as 22 semanas de gestação "incidirĂĄ de forma absolutamente atroz sobre a população vulnerabilizada, pretas, pobres e de baixa escolaridade."
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou a urgĂȘncia do projeto. Com isso, a proposta não vai precisar passar pelas comissões temĂĄticas da Casa e vai direto ao plenĂĄrio. A ação levou centenas de pessoas às ruas em diferentes cidades do paĂs contra o projeto.
Uma das crĂticas ao texto é que a pena para meninas e mulheres que realizarem aborto após 22 semanas seria de seis a 20 anos de prisão. Para estupradores, o tempo de detenção mĂĄximo é de dez anos.
O que mais diz o parecer
A criminalização pretendida é grave porque afeta especialmente as meninas e mulheres mais vulnerĂĄveis, principalmente social e economicamente. Meninas vĂtimas de violĂȘncia sexual são as que demoram mais a identificar e conseguir pedir socorro em situações de violĂȘncia, a perceber uma gravidez decorrente de violĂȘncia e a chegar aos serviços de saĂșde.
Caso avance a proposta legislativa culminando na criação de nova lei, que o tema seja submetido ao escrutĂnio do Supremo Tribunal Federal por meio de ação de controle de constitucionalidade, a fim de reparar possĂveis danos aos direitos de meninas e mulheres.
O documento também prevĂȘ que " merece o respectivo parecer ser levado ao conhecimento da presidĂȘncia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal". O parecer pede ao arquivamento do PL do aborto.
"Tendo em vista, ainda, que a proposta padece de inconvencionalidade, inconstitucionalidade e ilegalidade pelas violações exaustivamente apontadas acima, manifestamo-nos pelo total rechaço e repĂșdio ao referido projeto de lei, pugnando pelo seu arquivamento, bem como a qualquer proposta legislativa que limite a norma penal permissiva vigente, haja vista que a criminalização pretendida configura gravĂssima violação aos direitos humanos de mulheres e meninas duramente conquistados ao longo da história", diz o documento.
A lei brasileira permite o aborto em trĂȘs casos: gestação após estupro, risco de morte para a mãe e fetos anencefĂĄlicos. Não hĂĄ restrição de tempo para o procedimento em nenhum dos casos.
Fonte: UOL