Pesquisadores apontam dificuldade de acesso ao aborto legal no SUS

A Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), vinculada à Fiocruz, promoveu nesta quarta-feira (3), no Rio de Janeiro, o debate Acesso ao aborto legal no SUS: Como acolher e garantir direitos?.

Por Gazeta Notícia em 04/07/2024 às 08:09:38

A Escola Nacional de SaĂșde PĂșblica Sérgio Arouca (ENSP), vinculada à Fiocruz, promoveu nesta quarta-feira (3), no Rio de Janeiro, o debate Acesso ao aborto legal no SUS: Como acolher e garantir direitos?. A coordenação foi do grupo Observatório do SUS.

Pesquisadores e especialistas presentes no evento apontaram as principais dificuldades das mulheres ao acessar o procedimento no sistema pĂșblico de saĂșde.

O encontro tem como referĂȘncia a proposta do Projeto de Lei 1904/2, que prevĂȘ autorização para abortos legais até 22 semanas de gestação, mesmo em casos de violĂȘncia sexual. Também aumenta pena mĂĄxima para quem fizer o procedimento, igualando a interrupção da gravidez ao homicĂ­dio.

"Não existe estuprada que, por maldade, vai levar a gestação até 22 semanas por que quer ver o feto nascer prematuro, sofrer, ir para a UTI e ficar sequelado. Não existe essa maldade. Não atrasou porque foi culpa dela. Ela deixou chegar até esse ponto por causa do Estado brasileiro, que fechou todas as portas", disse OlĂ­mpio Moraes, diretor médico da Universidade de Pernambuco (UPE).

Debora Diniz, antropóloga, professora da Universidade de BrasĂ­lia e defensora dos direitos reprodutivos das mulheres, entende que a repercussão do projeto de lei foi pior do que a esperada pelos grupos que a defendiam. Por isso, segundo ela, o momento é de avançar na luta por uma justiça social reprodutiva, sem abdicar dos conhecimentos cientĂ­ficos.

"A questão do aborto, como outras em saĂșde pĂșblica, não é matéria de contra ou a favor. Não é matéria para confundir e não falarmos sobre ciĂȘncia. As religiões tĂȘm que ser respeitadas, mas não são elas que determinam a vida pĂșblica e o bem comum. Que tal trazermos, a partir das semanas intensas de aprendizado sobre esse brutal projeto de lei, um exercĂ­cio de reflexão e ponderação sobre como nós podemos falar e como devemos continuar o debate pĂșblico sobre a urgĂȘncia da descriminalização do aborto? Descriminalizar não é legalizar. Temos evidĂȘncias sólidas que pode levar à redução do nĂșmero de abortos", defendeu Debora Diniz.

Elda Bussinguer, presidenta da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), disse que para além da pressão pelo cumprimento atual da lei, é preciso organizar uma reação pĂșblica da sociedade civil, por entender que o projeto vai além de uma questão moral ou religiosa.

"Esse é um projeto de poder sobre os corpos femininos, de silenciamento das mulheres. De coisificação dos corpos femininos. Precisamos quebrar o pacto de silĂȘncio que mantém milhares de meninas espalhadas por esse paĂ­s sendo violentadas todos os dias. Por seus pais, tios, irmãos, primos e mesmo religiosos, que rompem com todos os princĂ­pios que dizem defender e mantém mulheres violentadas e silenciadas", disse Elda.

Aborto Legal

A legislação em vigor no paĂ­s prevĂȘ que a mulher tem direito ao aborto nos casos de gravidez decorrente de estupro, se a gestação representar risco de vida à mulher e se for caso de anencefalia fetal. Mas o fato de haver essa previsão legal não garante que as mulheres consigam alcançar seus direitos da forma como deveriam.

"É uma polĂ­tica escondida. Dependendo do gestor no comando, ela desaparece, fica escondida. Se vocĂȘs procurarem no Brasil onde tem acesso a aborto previsto em lei, vão ter muita dificuldade pela internet. Eu consigo saber onde tem quimioterapia, pré-natal de alto risco, doação de órgãos, mas abortamento não é dado à população o direito de informação. TrĂȘs vĂ­rgula seis por cento dos municĂ­pios tĂȘm um serviço de violĂȘncia a abortamento previsto em lei. É muito pouco", disse OlĂ­mpio Moraes.

O diretor médico da Universidade de Pernambuco (UPE) lembrou que somente 6 das 27 unidades federativas disponibilizam informação pĂșblica sobre aborto nos sites das secretarias de saĂșde. E que uma gestante pode demorar, em média, de dois a trĂȘs meses até achar um programa que a acolha. Além disso, reforçou que as principais prejudicadas nesse cenĂĄrio são mulheres jovens, pobres e negras.

OlĂ­mpio Moraes endossou que os médicos obstetras precisam cumprir o que diz a legislação, principalmente porque a formação profissional deles jĂĄ prevĂȘ aprendizados relacionados ao aborto legal.

"Objeção de consciĂȘncia é um direito, mas quando vocĂȘ é recrutado. Médicos do SUS não estão aĂ­ para defender crenças. O nosso patrão é o Estado brasileiro. Para todos os obstetras que vão fazer obstetrĂ­cia agora tem as EPAs [competĂȘncias de determinada prĂĄtica médica]. HĂĄ 21 competĂȘncias que o médico tem que aprender para dizer que é obstetra. E ligar com casos de violĂȘncia contra a mulher e abortamento estĂĄ entre elas. Ele vai ser treinado para isso. Não pode dizer que tem objeção de consciĂȘncia. Se tem isso, vai fazer dermatologia. Quem paga é o SUS. Estamos trabalhando para que não haja essa desculpa, que não é aceitĂĄvel", disse OlĂ­mpio.

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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