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Efeitos das mudanças climĂĄticas podem agravar fome, revela estudo

O último relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo, elaborado por cinco agências especializadas das Nações Unidas, apontou que, em 2023, 2,33 bilhões de pessoas enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave e que 733 milhões passaram fome no mundo.

Por Gazeta Notícia em 07/08/2024 às 11:13:23

O Ășltimo relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo, elaborado por cinco agĂȘncias especializadas das Nações Unidas, apontou que, em 2023, 2,33 bilhões de pessoas enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave e que 733 milhões passaram fome no mundo.

O estudo sinaliza que a insegurança alimentar e a mĂĄ nutrição estão piorando devido a uma combinação de fatores, que incluem a inflação dos preços dos alimentos, desacelerações econômicas, desigualdade, dietas saudĂĄveis inacessĂ­veis e mudanças climĂĄticas.

Só no Brasil, segundo o Atlas Global de PolĂ­tica de Doação de Alimentos, 61,3 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar, o que representa quase um quarto da população.

"O que vimos é que, entre 2019 e 2020, houve um grande aumento na fome e na insegurança alimentar em todo o mundo. PensĂĄvamos que, à medida que a pandemia de Covid-19 terminasse, esses nĂșmeros diminuiriam. Mas o que realmente aconteceu é que, nos Ășltimos trĂȘs anos, eles permaneceram persistentemente elevados. Tivemos a guerra na Ucrânia, mudanças climĂĄticas e uma superinflação. E tudo isso significa que hĂĄ milhões e milhões de pessoas que ainda lutam para ter acesso a alimentos suficientes", disse Lisa Moon, CEO [diretora-executiva] da The Global FoodBanking Network.

Lisa deu entrevista para a AgĂȘncia Brasil durante o seminĂĄrio internacional Sistemas Alimentares: Oportunidades para Combater a Fome e o DesperdĂ­cio no Brasil, realizado hoje (6) pelo Sesc e pelo The Global FoodBanking Network (GFN), uma entidade internacional que trabalha com organizações locais para apoiar bancos de alimentos em mais de 50 paĂ­ses. O evento foi realizado no Sesc Belenzinho, em São Paulo.

"Esse seminĂĄrio traz a abertura das comemorações dos 30 anos do programa Sesc Mesa Brasil e também traz à tona toda essa discussão das mudanças climĂĄticas, desperdĂ­cios, vulnerabilidade e fome. É importante a gente estar sempre debatendo esse cenĂĄrio e buscando novos caminhos para mitigar os efeitos tão severos que a gente encontra, com tantas pessoas em situação de insegurança alimentar", disse ClĂĄudia Roseno, gerente de assistĂȘncia do Departamento Nacional do Sesc.

Um dos temas das discussões promovidas pelo seminĂĄrio engloba os efeitos da crise climĂĄtica sobre a fome e a insegurança alimentar no mundo.

"As mudanças climĂĄticas impactam no circuito de produção e de distribuição [dos alimentos]. Um exemplo muito emblemĂĄtico e recente é a tragédia no Rio Grande do Sul", disse ClĂĄudia. No Sul, lembrou ela, as enchentes atingiram toda a produção de agricultura familiar e de subsistĂȘncia e também a produção de arroz, o que afetou o abastecimento em todo o paĂ­s.

Questionada sobre esses impactos, Lisa destacou que as comunidades que mais tĂȘm sofrido com as mudanças climĂĄticas são também as mais afetadas pela fome. "Vemos taxas mais elevadas de fome crônica e taxas mais elevadas de insegurança alimentar em comunidades que estão sofrendo os impactos das alterações climĂĄticas. Ao mesmo tempo, o nosso sistema alimentar estĂĄ produzindo alimentos mais do que suficientes para que todos tenham o suficiente, mas estamos descartando cerca de um terço de todos os alimentos produzidos a nĂ­vel mundial, aumentando as emissões de gases de efeito de estufa", observou. "Com o desperdĂ­cio de alimentos, estamos agravando o problema das mudanças climĂĄticas", acrescentou.

No caso especĂ­fico do Brasil, destacou Carlos Portugal GouvĂȘa, professor de Direito na Universidade de São Paulo (USP) e professor visitante na Harvard Law School, essa questão do desperdĂ­cio de alimentos estĂĄ relacionada também à pecuĂĄria. "Se a gente for olhar, o Brasil estĂĄ entre os maiores produtores de carne do mundo. Temos as maiores companhias produtoras de proteĂ­na do mundo, mas a gente também tem um nĂ­vel muito elevado de desperdĂ­cio de animais e de desperdĂ­cio de carne no mundo. E qual é a questão com a sustentabilidade? Se formos olhar quem é o maior poluidor brasileiro, quem mais contribui de uma forma negativa para a emissão de gases, que tem impacto no aquecimento global, é a indĂșstria de carne. A gente consegue perceber que existe uma direta conexão entre o desperdĂ­cio e a indĂșstria", afirmou ele, durante o seminĂĄrio. "O desperdĂ­cio, muitas vezes, estĂĄ ligado a um sistema econômico no qual vocĂȘ precisa dar vazão a uma produção, a um certo nĂ­vel de produção", salientou.

Soluções

As respostas para enfrentar a fome e os impactos das mudanças climĂĄticas sobre a insegurança alimentar não são fĂĄceis, nem imediatas. Mas são urgentes.

Exigem também esforço coletivo e "muita discussão", destacou ClĂĄudia Roseno. "É preciso colocar à mesa pesquisadores, governos, sociedade civil e iniciativas como o Sesc Mesa Brasil para discutir esse problema. Precisamos encontrar outros caminhos para reduzir os efeitos das mudanças climĂĄticas, do desperdĂ­cio e também da vulnerabilidade e da fome no Brasil", disse ela.

Em muitos paĂ­ses, 733 milhões passaram fome em 2023, revela estudo. - Marcello Casal/AgĂȘncia Brasil

Para Lisa Moon, a redução da fome passa, por exemplo, pelo apoio aos bancos de alimentos. "Para as pessoas que estão na pobreza, se não tiverem dinheiro suficiente para sobreviver, a comida é muitas vezes a Ășltima coisa que comprarão. Elas terão que comprar suas moradias, remédios e outras coisas. E isso significa que a fome é muito, muito prevalente, mesmo entre as pessoas que tĂȘm emprego. E a função dos bancos alimentares é ajudar a fornecer esse apoio às pessoas necessitadas. E eles não só fornecem alimentos para satisfazer as necessidades bĂĄsicas, como também fornecem nutrição vital", sustentou.

Lisa destaca outras ações importantes para reduzir a fome e a insegurança alimentar no mundo, principalmente relacionadas às doações para os bancos alimentares. A primeira delas, afirmou, diz respeito à proteção de responsabilidade. "Se as empresas e os produtores de alimentos doarem de boa-fé deverão ter a certeza de que não terão qualquer tipo de problemas jurĂ­dicos", opinou.

Outros pontos que Lisa ressaltou como importantes são os incentivos fiscais, a rotulagem e os investimentos no terceiro setor.

"Em muitos lugares é mais caro doar alimentos do que jogĂĄ-los fora. Com incentivos fiscais podemos ajudar a incentivar as empresas a conseguirem, pelo menos, aliviar alguns dos seus custos quando fazem essa doação. Outra coisa é a rotulagem de validade [dos alimentos]. A rotulagem de validade é muito confusa e causa confusão sobre se esses rótulos de qualidade ou de segurança alimentar. Adotar uma rotulagem realmente focada na segurança alimentar pode ser muito Ăștil para a doação. A Ășltima coisa é pensar realmente em como investir no terceiro setor que vai recuperar esse excedente alimentar. Descobrimos que, com pequenos investimentos em subsĂ­dios para infraestruturas, podemos realmente aumentar a capacidade dos bancos alimentares para receber mais produtos excedentes e redistribuĂ­-los às pessoas necessitadas", frisou Lisa.

Para o professor Carlos Portugal GouvĂȘa, da USP e da Harvard Law School, a questão da fome precisa ser enfrentada não só com polĂ­ticas pĂșblicas eficientes, mas também com assistĂȘncia social. Ele lembra que não adianta ter uma boa polĂ­tica pĂșblica, se ela não chega a quem mais necessita. "VocĂȘ precisa ter pessoas que vão onde a pobreza estĂĄ. A gente precisa ter pessoas que descobrem o problema daquelas famĂ­lias especificamente e aĂ­ usam o aparato estatal para dar uma resposta especificamente para aquela famĂ­lia", observou.

"Se o Brasil é um paĂ­s desigual e vocĂȘ faz uma polĂ­tica pĂșblica que, no fim, estĂĄ atendendo uma classe média, vocĂȘ, eventualmente, estĂĄ perpetuando essa desigualdade", disse Carlos. "Os desafios, no caso da sociedade brasileira, são efetivamente imensos. Mas como eu digo para os meus alunos, se a gente conseguir resolver esses problemas no Brasil, a gente cria exemplos para o mundo", argumentou.

Mesa Brasil

Para celebrar os 30 anos do programa Sesc Mesa Brasil, maior rede privada de bancos de alimentos da América Latina, o Sesc, em São Paulo, estĂĄ promovendo uma programação especial, que foi chamada de Festival Sesc Mesa Brasil.

Nos dias 10 e 11 de agosto, as unidades da capital, litoral e interior paulista terão mais de 80 apresentações artĂ­sticas gratuitas, além de abrir seus espaços para receber doações de alimentos não perecĂ­veis. Os itens arrecadados serão doados a instituições sociais. Mais informações sobre a programação podem ser obtidas no site.

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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